Quinta-feira, 20 de junho de 2013.
Saí dos meus compromissos direto para o centro do Rio, onde encontraria meus
companheiros esquerdistas para mais um protesto contra a corrupção e a favor da
reforma política. Meu ônibus passa pela av. Rio Branco e, na rua antes da
Presidente Vargas, fez um desvio para evitar a multidão que já ocupava as ruas,
antes mesmo das 17h. Desci e fui caminhando pela Rio Branco, em direção à rua
do Ouvidor. E qual não foi a minha surpresa ao encontrar uma juventude de cara
pintada, bandeiras do Brasil, vestidos de branco ou de verde e amarelo. Tive
medo. Senti um impulso ultranacionalista que lembra as doutrinas fascistas.
Ainda assim, segui o meu caminho. Passei por ambulantes que vendiam a máscara
do V de Vingança por dez Reais para uma galera que nunca havia lido o quadrinho
do Alan Moore (porque nenhum reacionário vestiria uma máscara que esconde uma
propaganda anarquista) e por ambulantes que vendiam cerveja. Passei por pessoas
bêbadas e senti um clima de micareta nacionalista sem nem ter avistado o trio-elétrico
que gritava palavras de ordem.
Estava bastante assustada e decepcionada
quando cheguei no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Lá, me alegrei ao encontrar as bandeiras vermelhas dos partidos
esquerdistas que estavam sendo ameaçados pelos antipartidários nacionalistas pelo
Facebook (os mesmos que são contra a anarquia e acham que os problemas devem
ser resolvidos em eleições. Uma incoerência só e que, apenas parece fazer
sentido para eles – que são a maioria); uma massa esquerdista e universitária
e; as meninas da Casa da Mulher Trabalhadora (CAMTRA), que eu admiro e tento
acompanhar tanto quanto possível desde um curso sobre educação e sexismo que eu
participei entre 2011 e 2012.
Dentro do Instituto, encontrei
minhas amigas. Depois de um tempo, saímos de lá, encontrando com a manifestação
na Presidente Vargas, na altura da Uruguaiana. Procuramos por bandeiras
vermelhas. Não as encontramos.
Decidimos ultrapassar a manifestação
e ir para o seu início onde os esquerdistas militantes de partido costumam ficar.
No meio dela, passamos entre dois trios-elétricos: o primeiro parecia ser de
sindicato; o segundo era maior e era claramente direitista – tocava o hino
nacional, inflamando a paixão por uma nação; a união por uma causa única ACIMA
DE QUALQUER PARTIDO E DE CLASSE SOCIAL. Bocas que gritavam por democracia assumindo
o discurso de Mussolini; bocas de classe média que não percebem que para grande
parte da população, é sim, por vinte centavos: uma população que sofre com os
abusos policiais diariamente e que precisa conter gastos porque seus salários
de autônomos e diaristas não acompanha o aumento do custo de vida. Era a classe
média machista e homofóbica que se revelava e invadia as ruas para mandar Cabral,
“Dudu” e Dilma tomarem no cu. A classe média preconceituosa que levantava
cartazes dizendo que “presidente que só leu um livro não me representa”. A
classe média apolítica que ainda acredita no processo democrático e na educação
como meio de ascensão social. A classe média que não se sente diretamente
explorada pelos donos do grande capital, mas, pelo governo – e, apenas, pelo
governo – e que acredita ingenuamente que a culpa de todos os males do Brasil
emana da estrela do PT. Eram eles quem vestiam camisas oficiais da seleção
brasileira enquanto gritavam “não vai ter copa”. E, também, seriam eles que
provariam, pela primeira vez, da arbitrariedade policial, saindo indignados com
a violência que não chega aos pés daquela sofrida pelos moradores das favelas
do Rio de Janeiro. É claro que a maioria saiu culpando os “vândalos” pela truculência
policial.
Eu trabalho em uma escola na Nova
Holanda, no Complexo da Maré. Lá, bala de borracha é tiro de fuzil; helicóptero
não sobrevoa só para vigiar a população, mas dá tiro nos moradores que correm
assustados para buscar os filhos mais cedo na escola. Para isto, a classe média
fecha os olhos. É muito mais interessante ocupar as ruas e gritar palavras de
ORDEM e PROGRESSO – econômico, por favor – do que rebelar-se contra as reais
injustiças sociais existentes neste país discrepante.
Estávamos mais assustadas ainda.
O trio do sindicato puxava um discurso inflamado contra o Marco Feliciano e a
proposta para a “cura gay”, quando o outro trio, que estava em silêncio, puxou
palavras de ordem para abafar as palavras esquerdistas – obtendo completo
sucesso. Conseguimos ultrapassá-los, ainda ouvindo a classe média reacionária
cantar a música da coca-cola para a copa do mundo (oi?).
Já estávamos nas proximidades da
prefeitura quando encontramos um colega militante de partido de esquerda. Perguntamos
pelas bandeiras vermelhas. A resposta foi a pior possível. Eles foram cercados
e ameaçados pelos jovens apolíticos – para não dizer fascistas – que chegaram a
agredir fisicamente os militantes que resistiam em abaixar suas bandeiras. A
luta esquerdista fora roubada pelos reacionários. Quando chegamos na altura dos
Correios, as bombas de GL já nos embaçavam um pouco a visão. Máscara com
vinagre; garrafinha com água e bicarbonato de sódio nas mãos. A população
corria apavorada enquanto o Choque avançava. Nos encostamos na grade dos
Correios, para não sermos levadas pela multidão desesperada. O medo era sermos
pisoteadas. Em algum momento, as bombas estavam mais e mais próximas de nós.
Uma das meninas sugeriu que pegássemos uma rua lateral, mas, pelas grades dos
Correios, já podia ver a polícia bombardeando, também, a rua paralela. Não era
uma operação para dissipar manifestantes e impedi-los de chegar à Prefeitura.
Era uma armadilha.
Não eram menos de um milhão de
brasileiros na Presidente Vargas e o Batalhão de Choque achou que seria fácil e
legítimo evacuar esta população amedrontada a base de bomba de GL, empurrando-a
para a frente pela própria Presidente Vargas – não estou acusando apenas a
polícia, que segue ordens do nosso querido governador Sérgio Cabral Filho (que,
por acaso, representa o partido direitista PMDB, assim como o nosso amado
Eduardo Paes – mas, disso, ninguém fala). Pessoas corriam, passavam mal,
desmaiavam. Distribuímos a solução de vinagre em retalhos de pano para os que
pareciam que estavam em pior condição. Oferecemos água com bicarbonato de sódio.
Em certa altura, uma das meninas ligou o rádio para saber o que estava
acontecendo. Soubemos dos quiosques do Terreirão do Samba incendiados e do
carro do SBT que havia sido virado e também estava em chamas. Vimos pessoas
quebrarem pontos de ônibus enquanto a classe média gritava “sem vandalismo” e
outros comemoravam e aplaudiam. Vandalismo não é ser encurralada pela polícia,
como marginal, em meio de uma manifestação constitucional e democrática? Vimos
estudantes de medicina, de Universidade Públicas socorrendo pessoas que estavam
feridas por balas de borracha ou estilhaços de bomba ou, ainda, os que haviam
desmaiado com o efeito do gás. Caos. Um grupo gritava “fica”. Eu queria ficar,
mas, sabia que a truculência policial se agravaria com a diluição da massa
populacional nas ruas. Não haviam ônibus. A estação do metrô da Presidente Vargas
estava fechada. Era como se tudo se unisse para dizer “ei, você podia ter
ficado em casa. Já que veio, agora aguenta!”.
Passamos por uma plenária do MST
próxima à estação de trem da Central. Observamos um pouco. Esta estação do
metrô estava quase fechando. Em breve, a mais próxima aberta seria a da Glória –
como me relatou uma amiga que teve que caminhar até lá para poder voltar pra
casa. A estação de trem estava lotada. E, mais uma vez, haviam jogado bomba de
GL dentro da estação. Vesti a máscara e olhei ao redor. Muitos sofriam com os
efeitos do gás. Enfim, fui para casa.
Ouvi alguns relatos, como os das
meninas da CAMTRA que ficaram presas no Centro do Rio, ouvindo bombas e mais
bombas explodirem no lado de fora. Estavam todas abaladas. Uma amiga que foi
parar na rua paralela à Presidente Vargas contou que viu até tiro de fuzil.
Outra amiga ficou entre duas bombas de GL, no meio da multidão, sem ter para
onde ir. A que teve que caminhar até a Glória, contou como foi difícil chegar
até lá com a polícia perseguindo e atacando manifestantes sem nem saber se eles
estavam envolvidos em qualquer ação que poderia ser considerada como criminosa.
A reflexão a ser feita é a
seguinte: como conseguiram incendiar os quiosques do Terreirão do Samba se a
Tropa de Choque da PM estava bem próxima? A população desarmada é mais perigosa
que aqueles que ateiam fogo em algum lugar? A Globo filmou diversos atos de “vandalismo”
que não foram reprimidos pela polícia, apesar de, quando eu estava indo embora,
existirem CINCO helicópteros da polícia monitorando a área. Furtos,
quebra-quebra e o Choque reprime apenas ALGUNS destes atos e destes manifestantes.
Isto não parece engraçado? EXISTEM POLICIAIS VESTIDOS COMO CIVIS DENTRO DA
MANIFESTAÇÃO FAZENDO ATOS PARA GERAR CAOS E PÂNICO NA POPULAÇÃO. NÃO SE ENGANE.
SÃO ELES E, APENAS, ELES QUE CONSEGUEM DESTRUIR PATRIMÔNIO PÚBLICO E PRIVADO
SEM SOFRER UM ARRANHÃO. Esta jogada política está sendo realizada para aumentar
a indignação da direita contra os “vândalos” e esquerdistas mais radicais e
para atestar uma incompetência do governo. O golpe de direita está arquitetado.
Ao que parece, em caso de vacância no cargo de presidência da república, serão
realizadas ELEIÇÕES INDIRETAS. Estão pressionando a Dilma de todos os lados, o
que se reflete no discurso proferido ontem, que nega toda a história de
militante de guerrilheira no período da ditadura militar. A presidenta está
tentando acalmar os ânimos da direita, mas, não acredito que obterá sucesso.
Acordem, crianças de cara pintada
e bandeira do Brasil: não estamos em um mundo de algodão-doce. O discurso da
mídia se assemelha muito ao do pré-golpe de 1964: o “restaurar a democracia” nos
custou 20 anos de ditadura e, agora, ainda estão articulando uma “marcha com
deus pela família e contra o comunismo” sério isso?
A COISA VAI PIORAR.