Sunday, June 16, 2013

Gigante pela própria natureza

Hoje a tarde, participei da manifestação em São Cristóvão, contra o aumento do custo de vida. E as coisas que presenciei foram as mais absurdas possíveis, por isto, não poderia deixar de escrever este texto. Sei que muita coisa pode parecer surreal, mas, como dizia o clichê do velho Timbira que contava aos mais novos sobre Juca Pirama: “meninos, eu vi!”.

Chegamos atrasadas para o ato, com um cartaz dentro da mochila. Assim que saímos da estação de trem, percebemos que a polícia estava fechando a estação. Descemos até onde os outros manifestantes estavam concentrados e, assim que pusemos os pés lá, explodiram as primeiras bombas de efeito moral. Não, não havia baderna, apenas um aglomerado de pessoas – com faixas e cartazes – paradas na rua (que havia sido fechada pela própria polícia). Na mesma hora, começou a correria. Pessoas caíram no chão, com sério risco de serem atropeladas pela multidão, que corria assustada, enquanto o batalhão de choque avançava em nossa direção. Meus olhos queimavam e era impossível de respirar. Paramos na rampa de acesso ao trem, enquanto eu esperava que o desmaio viesse – me agarrei na grade para não cair no chão. Uma menina, que fazia parte do protesto chegou até mim, colocou um pano no meu rosto e mandou que eu respirasse, dizendo que era vinagre. Melhorei quase que imediatamente.

Descemos para o outro lado da linha do trem, em frente à Quinta da Boavista. Lá, encontramos uma outra menina, que molhou o meu casaco com  uma solução que era 50% água, 50% vinagre. Era claro que as pessoas estavam com medo e que o medo aumentaria quando o batalhão de choque nos encurralasse, cercando os manifestantes nas quatro posições possíveis. Sabíamos que outro ataque viria e que a única possibilidade de fuga seria pela Quinta da Boavista.

Cantamos palavras de ordem, como a principal, que era “sem violência”, estendendo cartazes das mais diferentes naturezas. Alguns, convocavam os policiais para que aderissem a causa, outros criticavam o aumento dos preços, a mídia e a copa. O meu carregava uma palavra de estímulo para aqueles que encaravam o medo para exercer sua cidadania de forma plena e democrática.

Mas a democracia parava em nós. Sentados no chão, levantávamos as mãos para o alto e cantávamos o Hino Nacional Brasileiro. Eu nunca havia cantado o hino com verdadeiro orgulho de me saber brasileira e acredito que muitos outros também não. Sentia o rosto molhado de lágrimas, quando, ao fim do hino, o povo se levantou lentamente e a polícia voltou a nos bombardear, encurralando o grupo dentro da Quinta. Então, achamos que pararia por aí. Nunca pensaríamos que a polícia fosse capaz de jogar bombas de efeito moral em um lugar cheio de crianças pequenas, mas, ela assim o fez. E fechou todos os acessos ao parque.
Vinagre no rosto, caminhando pela área, informando às pessoas que havia acontecido e recomendando que idosos e crianças se retirassem de lá. Aos poucos, foram reabrindo as saídas, então, fomos embora, mesmo com outros manifestantes se reunindo no museu da Quinta. No caminho para a estação de trem, mais bomba de efeito moral, mas, em um lugar em que não havia mais manifestantes. Pessoas passavam tossindo e com os olhos lacrimejando e eu dava o meu casaco embebido de vinagre para elas cheirarem, aliviando o efeito. Na passarela onde fica a entrada do trem, estavam proibindo que pessoas ficassem paradas. Lá também havia restos de bomba de efeito moral. Dentro da estação, crianças chorando assustadas ou com os olhos marejados pelo gás que a polícia soltou em pessoas que não faziam nada a não ser contestar a legitimidade da democracia brasileira, demonstrando a sua insatisfação.

Na estação de trem, uma menina veio falar conosco. Ela tinha se perdido do namorado durante a confusão policial. Ela nos contou que estaca ao telefone com ele quando a polícia começou a atirar balas de borracha na direção dele e de poucos outros manifestantes que estavam com ele. Ela estava preocupada. Pouco depois, seu namorado chegou, mostrando vídeos que fizera mostrando a manifestação pacífica de insatisfação com o governo e a covardia policial.


Aos políticos, recomendo que assumam a ditadura que disfarçam por meio de um processo “democrático” que elege representantes que servem como marionetes nas mãos dos donos do grande capital. Ou, então, que se rendam ao poder do povo e aceitem que a única escolha viável é respeitar os direitos dos cidadãos.

Nós vamos continuar lutando.

Meninos, eu estava lá: eu vi. E o que vi foi uma juventude que me orgulha. Vi entre três e quatro mil pessoas não se deixando intimidar pelo abuso policial. Uma juventude politizada e  gigante pela própria natureza.


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