Hoje a tarde, participei da manifestação em São Cristóvão,
contra o aumento do custo de vida. E as coisas que presenciei foram as mais
absurdas possíveis, por isto, não poderia deixar de escrever este texto. Sei
que muita coisa pode parecer surreal, mas, como dizia o clichê do velho Timbira
que contava aos mais novos sobre Juca Pirama: “meninos, eu vi!”.
Chegamos atrasadas para o ato, com um cartaz dentro da
mochila. Assim que saímos da estação de trem, percebemos que a polícia estava
fechando a estação. Descemos até onde os outros manifestantes estavam
concentrados e, assim que pusemos os pés lá, explodiram as primeiras bombas de
efeito moral. Não, não havia baderna, apenas um aglomerado de pessoas – com
faixas e cartazes – paradas na rua (que havia sido fechada pela própria
polícia). Na mesma hora, começou a correria. Pessoas caíram no chão, com sério
risco de serem atropeladas pela multidão, que corria assustada, enquanto o
batalhão de choque avançava em nossa direção. Meus olhos queimavam e era
impossível de respirar. Paramos na rampa de acesso ao trem, enquanto eu
esperava que o desmaio viesse – me agarrei na grade para não cair no chão. Uma
menina, que fazia parte do protesto chegou até mim, colocou um pano no meu
rosto e mandou que eu respirasse, dizendo que era vinagre. Melhorei quase que
imediatamente.
Descemos para o outro lado da linha do trem, em frente à
Quinta da Boavista. Lá, encontramos uma outra menina, que molhou o meu casaco
com uma solução que era 50% água, 50%
vinagre. Era claro que as pessoas estavam com medo e que o medo aumentaria
quando o batalhão de choque nos encurralasse, cercando os manifestantes nas
quatro posições possíveis. Sabíamos que outro ataque viria e que a única possibilidade
de fuga seria pela Quinta da Boavista.
Cantamos palavras de ordem, como a principal, que era “sem
violência”, estendendo cartazes das mais diferentes naturezas. Alguns,
convocavam os policiais para que aderissem a causa, outros criticavam o aumento
dos preços, a mídia e a copa. O meu carregava uma palavra de estímulo para
aqueles que encaravam o medo para exercer sua cidadania de forma plena e
democrática.
Mas a democracia parava em nós. Sentados no chão, levantávamos
as mãos para o alto e cantávamos o Hino Nacional Brasileiro. Eu nunca havia
cantado o hino com verdadeiro orgulho de me saber brasileira e acredito que
muitos outros também não. Sentia o rosto molhado de lágrimas, quando, ao fim do
hino, o povo se levantou lentamente e a polícia voltou a nos bombardear,
encurralando o grupo dentro da Quinta. Então, achamos que pararia por aí. Nunca
pensaríamos que a polícia fosse capaz de jogar bombas de efeito moral em um
lugar cheio de crianças pequenas, mas, ela assim o fez. E fechou todos os
acessos ao parque.
Vinagre no rosto, caminhando pela área, informando às
pessoas que havia acontecido e recomendando que idosos e crianças se retirassem
de lá. Aos poucos, foram reabrindo as saídas, então, fomos embora, mesmo com
outros manifestantes se reunindo no museu da Quinta. No caminho para a estação
de trem, mais bomba de efeito moral, mas, em um lugar em que não havia mais
manifestantes. Pessoas passavam tossindo e com os olhos lacrimejando e eu dava
o meu casaco embebido de vinagre para elas cheirarem, aliviando o efeito. Na passarela
onde fica a entrada do trem, estavam proibindo que pessoas ficassem paradas. Lá
também havia restos de bomba de efeito moral. Dentro da estação, crianças
chorando assustadas ou com os olhos marejados pelo gás que a polícia soltou em
pessoas que não faziam nada a não ser contestar a legitimidade da democracia
brasileira, demonstrando a sua insatisfação.
Na estação de trem, uma menina veio falar conosco. Ela tinha
se perdido do namorado durante a confusão policial. Ela nos contou que estaca
ao telefone com ele quando a polícia começou a atirar balas de borracha na
direção dele e de poucos outros manifestantes que estavam com ele. Ela estava
preocupada. Pouco depois, seu namorado chegou, mostrando vídeos que fizera
mostrando a manifestação pacífica de insatisfação com o governo e a covardia
policial.
Aos políticos, recomendo que assumam a ditadura que
disfarçam por meio de um processo “democrático” que elege representantes que
servem como marionetes nas mãos dos donos do grande capital. Ou, então, que se
rendam ao poder do povo e aceitem que a única escolha viável é respeitar os
direitos dos cidadãos.
Nós vamos continuar lutando.
Meninos, eu estava lá: eu vi. E o que vi foi uma juventude
que me orgulha. Vi entre três e quatro mil pessoas não se deixando intimidar
pelo abuso policial. Uma juventude politizada e gigante pela própria natureza.
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