Wednesday, September 11, 2013

Pre-con-cei-to

Preconceito. Nenhum de nós gosta de assumir que carregamos julgamentos acerca dos outros. Os preconceitos são muitos, mas, nossa sociedade tenta limitá-los ao caráter étnico e sexual. Eles vão muito além destas fronteiras.

Calma. Os preconceitos não são culpa sua. Nossa sociedade nos alimenta de preconceitos estabelecidos culturalmente desde que nascemos - ou, talvez, ainda antes.

Temos a dicotomia de gênero: homem x mulher. E padrões sociais que são aceitos para cada um dos sexos biológicos - que atravessam o caráter físico, comportamental e sexual. O que foge dos padrões é anomalizado; patologizado; visto como estranho, como destoante e torna-se invisível. Não se fala sobre hermafroditas. Os transsexuais apenas viram pauta em momentos de ridicularização. O homossexual homem só é aceito enquanto o gay-engraçado (o piadista caricato que transgrede a norma e é motivo de risos); a lésbica é invisibilizada e sua sexualidade é deslocada em prol do prazer masculino. Hipersexualiza-se as relações homoafetivas femininas para transformá-la na mulher que necessita de um homem para satisfaze-la (a ela e à sua parceira afetiva e/ou sexual).

Ainda dentro desta dicotomia, assumimos comportamentos que podem e devem ser característicos apenas de um dos dois gêneros: o conceito de feminilidade relaciona-se com uma passividade, com a dependência da mulher ao gênero oposto. E acompanha atributos físicos que compõem o padrão de beleza ocidental: cabelos e unhas longos e bem-feitos, uso de roupas justas que modelam o corpo magro - e constantemente modificado por excessivas atividades físicas e, quando possível, com próteses de silicone.

Lembrem que os cabelos devem ser lisos. Este padrão já mascara parte do preconceito étnico de nossa sociedade. A mulher negra não é valorizada e tenta, constantemente, embranquecer-se. O homem e a mulher negrxs são desvalorizadxs em sua cultura e taxadxs como pobres, delinquentes e sem educação.

A mulher, ainda, é a maior vítima de gordofobia. O preconceito com as pessoas acima do peso é tão diferente de acordo com o gênero que a frase mais frequente para reprovar o peso alheio é "nossa, não sei como se deixou ficar desse jeito. Tadinha, nunca vai arrumar um namorado". Então, queridxs, nossa sociedade é sexista e, é claro que vão justificar a relação afetiva de um homem gordo com o caráter do sujeito (ou outros atributos), mas, principalmente, usarão a máxima "esse cara só pode ter dinheiro pra estar com uma gostosa dessas".

É, mulher só quer saber de dinheiro: outro estereótipo; outro preconceito de gênero vastamente difundido. Reclamam que a mulher quer dinheiro para ir ao salão, arrumar as unhas, cabelos e fazer depilação, como se não fossem eles próprios quem tivessem estabelecido este padrão como o aceitável para a beleza feminina e não desejassem a submissão financeira das mulheres.

De-pi-la-ção. Engraçado como um sintagma preposicionado pode fazer tanta diferença na aceitação de um período: Se uma mulher diz "estou deixando o cabelo crescer" ouvirá elogios, sobre como ela vai ficar mais linda e feminina; se a mesma mulher diz "estou deixando o cabelo do sovaco crescer", será chamada de porca, anti-higiênica, farão comparações com os seus pelos púbicos ou, no mínimo, a encararão com cara de nojo (para deixar a zombaria começar quando ela virar as costas). Falarão que é feio, que dá mau-cheiro. Os hormônios masculinos fazem com que a transpiração dos homens tenha um cheiro naturalmente mais forte que os das mulheres e, ainda assim, eles são autorizados (e recomendados, já que os pelos são marca de masculinidade - e virilidade) a manter os mesmos pelos que, em mulheres, são tão controversos.

Ser feminista também gera preconceito: dizer que homens e mulheres são iguais e tentar acabar com esta dicotomia que gera a submissão de gênero nos faz ouvir diariamente que somos loucas, que procuramos chifre na cabeça de cavalo, que queremos dominar os homens ou que somos histéricas e estamos de TPM. De onde vem tanta sabedoria? Senso comum, estereótipos, massacre da cultura patriarcal e falta de interesse em mudar os padrões que seguimos.

Mas, não acabou. Ainda tem mais preconceito: não aceitamos nem mesmo hábitos alimentares diferentes: discriminamos vegetarianos e vegans. Temos a cara-de-pau de chamar nossos amigos que possuem estas restrições alimentares - ideológicas ou não - para churrascarias ou os chamamos para as nossas casas sem a preocupação de fazer um prato com legumes para eles. A ignorância é tanta que perguntamos a eles "Você é vegetariano, mas, peixe você come, né?". Claro, porque peixe não é animal.

***

Há pouco mais de um mês, virei aprendiz de tatuadora. Tenho 9 tatuagens, mas, em breve, elas serão dezenas. É algo que eu gosto; que eu sempre gostei. Acho bonito ver uma pessoa toda "rabiscada". Dentro da área, tatuadores com poucas tatuagens sofrem preconceito; fora dela, neste "mundo, vasto mundo", são encarados como anomalias. Uma menina que trabalha na loja de tattoo comigo comentou, na noite de ontem, que não pode pegar um ônibus sem fones de ouvido, porque não aguenta ouvir as babaquices deste nosso mundo "nossa, toda tatuada. E não é feia, não...".

Sou mulher, negra, lésbica e feminista. Há anos, me desapeguei dos padrões capilares e resolvi assumir meus cabelos naturais. Há pouco tempo, me desliguei da depilação. Como mulher lésbica sofro menos preconceito que como mulher com pelos, mas, dentro do próprio universo LGBT, sofro preconceito por ser "masculinizada". 


Não, não estou aqui para me vitimizar, só para apontar que diversas coisas que levamos como "piada" não passam de formas recorrentes de opressão. Eu não ligo, já que a minha autoconfiança está além do julgamento dos outros, mas, quantas pessoas se autoflagelam diariamente por não se encontrarem dentro dos limitados padrões que nossa sociedade impõem? Quantas não morrem por anorexia? Quantas não se suicidam?


Queridx leitxr, quero deixar bem claro, que o que você chama de "a sua opinião" é uma assassina. Sim, seu preconceito também é parte de cada uma destas mortes. É o seu preconceito que gira as engrenagens desta máquina opressora. Claro que a culpa não é sua: te FIZERAM ser assim. E é claro que nenhum preconceito morre da noite pro dia: é uma batalha diária e sofrida. Eu ainda não exterminei todos os julgamentos que me foram entregues, quando nasci, dentro de uma caixinha, mas, estou disposta a combatê-los de frente e a mudar. Não pelo meu próprio benefício, mas, em prol da dignidade e da vida de tantas pessoas que são massacradas e mortas por este mundinho babaca.

No comments:

Post a Comment