A aprovação do Estatuto do Nascituro legitimará e institucionalizará a cultura de estupro em nossa sociedade. A mulher, agredida e violada, que já era culpabilizada pela perversão do outro, receberá, agora, mais um argumento para que lhe atribuam a motivação pelo crime que sofre e a punição de, não só ser obrigada a carregar por nove meses o filho que é fruto de um pesadelo, mas, também a deixar que a criança carregue o nome de seu algoz.
O
que é estupro? Estupro, para a vítima, é sentir que não se possui nada: nem
corpo, nem palavra, nem vontade. É sentir um intruso lhe arrombar a casa e lambuzar-se
em libido enquanto esfola e macula aquilo que a ensinam, desde cedo, ser o que
de mais valioso se possui. É ter nojo de olhar no espelho e sentir o vômito
forçando a garganta a cada lembrança. É deixar de acreditar no amor e nas
pessoas. É sentir-se Cristo, nas mãos de deus, pagando pelos pecados daquele
que a viola.
Ainda
assim, para os nossos governantes, isto não parece importante. Do quê importa a
mulher e seus desejos; suas vontades? Do quê importa uma inocência destruída?
E, quem se importa em prender criminosos como estes?
O
que importa parece ser exatamente o menos importante: o fim do crime; a
segurança das mulheres. No Brasil, parece que a ameaça constante da violência
sexual funciona exatamente como forma de normatizar o comportamento feminino,
engaiolando-as para a sua própria segurança.
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Mulher direita não bebe; não fuma; não usa roupas curtas; não sai sozinha à
noite. Quer sua integridade física? Não saia de casa. E, se seu marido usar a
força para te ter sexualmente, ele está em seu direito.
Estupro
não parece ser estupro a menos que a vítima esteja de burca, ao meio dia, e
tenha agressões corporais que a desfigure. Mas, eu não preciso dizer isto.
Todos sabemos as formas em que se expressam os discursos conservadores.
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Ela estava gostando. Estava pedindo
por isto!
O
que muda com o Estatuto do Nascituro é exatamente o fato de que, por prever a “bolsa
estupro” – pensão que o Estado pagará no lugar do violador –, a vítima, além de
ter vontade e moralidade questionadas, passa a ser vista como “Maria Estupro”,
que sai pelas madrugadas esperando um abuso sexual em seu período fértil para
receber uma miséria do governo. Ou, ainda, o estuprador pode sentir-se benfeitor,
espalhando filhos e distribuindo as moedas do Estado.
Nenhuma
mulher merece ou deseja ser estuprada.
As
deformidades sexuais veiculadas em larga escala pela internet – pornografia que
engloba sexo consensual como simulacro de estupro; que apresenta o estupro
propriamente dito como fetiche sexual; que apresenta sexo grupal em que cinco
ou mais homens possuem apenas uma mulher, que berra, não se sabe se por dor ou
prazer, até chegado o momento do êxtase (sempre masculino) em que, numa roda ou
em fila indiana, disputam partes do corpo feminino para derramar a própria
porra; pornografia em que o ator abusa sexualmente de uma mulher durante o
sono; sites em que homens publicam fotos e vídeos deles mesmos se masturbando
em mulheres que estão em transportes públicos (em plena luz do dia, provavelmente
em seu caminho para o trabalho) – não são censuradas (e, quando são, isto só
ocorre porque o fato alcançou proporções gigantescas e os apelos e denúncias
constantes impossibilitam que o caso seja ignorado) e servem para reafirmar e
naturalizar violências como formas válidas de exercício da sexualidade.
Mas,
o crime é abortar o fruto de uma violência.
E,
mais, não é crime ter um filho que não a inspira amor, mas asco, ao ver o rosto
daquele que a fez passar por horrores indescritíveis em sua criança indesejada.
Um filho que o Estado finge desejar, mas que desampara como todos os filhos da “pátria
que os pariu”: os excluídos, marginalizados, moradores de rua, viciados,
traficantes. O Estado proíbe o aborto para assassiná-los quando não se
enquadram nos modelos sociais desejados, mas, aí, também já não há crime algum.
O
Estatuto do Nascituro só leva em consideração a hipocrisia religiosa e reafirma
a única função social que legitima a existência feminina em sociedades
patriarcais: a maternidade. Mas, a maternidade obrigatória desloca o amor pelos
filhos e o transforma em indiferença. E é sobre esta névoa que cada um dos nascituros
sobreviverá. Sem escolha, a mulher se verá aprisionada para sempre às lágrimas
e dores da violência. Mas, elas devem se alegrar: em troca deste sofrimento,
receberão estigma social e uma esmola do Estado.
Texto incrível J.Lo!! Incrível!!
ReplyDeleteAss: Lu Lacerda.
Obrigada! :)
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