Wednesday, September 11, 2013

Pre-con-cei-to

Preconceito. Nenhum de nós gosta de assumir que carregamos julgamentos acerca dos outros. Os preconceitos são muitos, mas, nossa sociedade tenta limitá-los ao caráter étnico e sexual. Eles vão muito além destas fronteiras.

Calma. Os preconceitos não são culpa sua. Nossa sociedade nos alimenta de preconceitos estabelecidos culturalmente desde que nascemos - ou, talvez, ainda antes.

Temos a dicotomia de gênero: homem x mulher. E padrões sociais que são aceitos para cada um dos sexos biológicos - que atravessam o caráter físico, comportamental e sexual. O que foge dos padrões é anomalizado; patologizado; visto como estranho, como destoante e torna-se invisível. Não se fala sobre hermafroditas. Os transsexuais apenas viram pauta em momentos de ridicularização. O homossexual homem só é aceito enquanto o gay-engraçado (o piadista caricato que transgrede a norma e é motivo de risos); a lésbica é invisibilizada e sua sexualidade é deslocada em prol do prazer masculino. Hipersexualiza-se as relações homoafetivas femininas para transformá-la na mulher que necessita de um homem para satisfaze-la (a ela e à sua parceira afetiva e/ou sexual).

Ainda dentro desta dicotomia, assumimos comportamentos que podem e devem ser característicos apenas de um dos dois gêneros: o conceito de feminilidade relaciona-se com uma passividade, com a dependência da mulher ao gênero oposto. E acompanha atributos físicos que compõem o padrão de beleza ocidental: cabelos e unhas longos e bem-feitos, uso de roupas justas que modelam o corpo magro - e constantemente modificado por excessivas atividades físicas e, quando possível, com próteses de silicone.

Lembrem que os cabelos devem ser lisos. Este padrão já mascara parte do preconceito étnico de nossa sociedade. A mulher negra não é valorizada e tenta, constantemente, embranquecer-se. O homem e a mulher negrxs são desvalorizadxs em sua cultura e taxadxs como pobres, delinquentes e sem educação.

A mulher, ainda, é a maior vítima de gordofobia. O preconceito com as pessoas acima do peso é tão diferente de acordo com o gênero que a frase mais frequente para reprovar o peso alheio é "nossa, não sei como se deixou ficar desse jeito. Tadinha, nunca vai arrumar um namorado". Então, queridxs, nossa sociedade é sexista e, é claro que vão justificar a relação afetiva de um homem gordo com o caráter do sujeito (ou outros atributos), mas, principalmente, usarão a máxima "esse cara só pode ter dinheiro pra estar com uma gostosa dessas".

É, mulher só quer saber de dinheiro: outro estereótipo; outro preconceito de gênero vastamente difundido. Reclamam que a mulher quer dinheiro para ir ao salão, arrumar as unhas, cabelos e fazer depilação, como se não fossem eles próprios quem tivessem estabelecido este padrão como o aceitável para a beleza feminina e não desejassem a submissão financeira das mulheres.

De-pi-la-ção. Engraçado como um sintagma preposicionado pode fazer tanta diferença na aceitação de um período: Se uma mulher diz "estou deixando o cabelo crescer" ouvirá elogios, sobre como ela vai ficar mais linda e feminina; se a mesma mulher diz "estou deixando o cabelo do sovaco crescer", será chamada de porca, anti-higiênica, farão comparações com os seus pelos púbicos ou, no mínimo, a encararão com cara de nojo (para deixar a zombaria começar quando ela virar as costas). Falarão que é feio, que dá mau-cheiro. Os hormônios masculinos fazem com que a transpiração dos homens tenha um cheiro naturalmente mais forte que os das mulheres e, ainda assim, eles são autorizados (e recomendados, já que os pelos são marca de masculinidade - e virilidade) a manter os mesmos pelos que, em mulheres, são tão controversos.

Ser feminista também gera preconceito: dizer que homens e mulheres são iguais e tentar acabar com esta dicotomia que gera a submissão de gênero nos faz ouvir diariamente que somos loucas, que procuramos chifre na cabeça de cavalo, que queremos dominar os homens ou que somos histéricas e estamos de TPM. De onde vem tanta sabedoria? Senso comum, estereótipos, massacre da cultura patriarcal e falta de interesse em mudar os padrões que seguimos.

Mas, não acabou. Ainda tem mais preconceito: não aceitamos nem mesmo hábitos alimentares diferentes: discriminamos vegetarianos e vegans. Temos a cara-de-pau de chamar nossos amigos que possuem estas restrições alimentares - ideológicas ou não - para churrascarias ou os chamamos para as nossas casas sem a preocupação de fazer um prato com legumes para eles. A ignorância é tanta que perguntamos a eles "Você é vegetariano, mas, peixe você come, né?". Claro, porque peixe não é animal.

***

Há pouco mais de um mês, virei aprendiz de tatuadora. Tenho 9 tatuagens, mas, em breve, elas serão dezenas. É algo que eu gosto; que eu sempre gostei. Acho bonito ver uma pessoa toda "rabiscada". Dentro da área, tatuadores com poucas tatuagens sofrem preconceito; fora dela, neste "mundo, vasto mundo", são encarados como anomalias. Uma menina que trabalha na loja de tattoo comigo comentou, na noite de ontem, que não pode pegar um ônibus sem fones de ouvido, porque não aguenta ouvir as babaquices deste nosso mundo "nossa, toda tatuada. E não é feia, não...".

Sou mulher, negra, lésbica e feminista. Há anos, me desapeguei dos padrões capilares e resolvi assumir meus cabelos naturais. Há pouco tempo, me desliguei da depilação. Como mulher lésbica sofro menos preconceito que como mulher com pelos, mas, dentro do próprio universo LGBT, sofro preconceito por ser "masculinizada". 


Não, não estou aqui para me vitimizar, só para apontar que diversas coisas que levamos como "piada" não passam de formas recorrentes de opressão. Eu não ligo, já que a minha autoconfiança está além do julgamento dos outros, mas, quantas pessoas se autoflagelam diariamente por não se encontrarem dentro dos limitados padrões que nossa sociedade impõem? Quantas não morrem por anorexia? Quantas não se suicidam?


Queridx leitxr, quero deixar bem claro, que o que você chama de "a sua opinião" é uma assassina. Sim, seu preconceito também é parte de cada uma destas mortes. É o seu preconceito que gira as engrenagens desta máquina opressora. Claro que a culpa não é sua: te FIZERAM ser assim. E é claro que nenhum preconceito morre da noite pro dia: é uma batalha diária e sofrida. Eu ainda não exterminei todos os julgamentos que me foram entregues, quando nasci, dentro de uma caixinha, mas, estou disposta a combatê-los de frente e a mudar. Não pelo meu próprio benefício, mas, em prol da dignidade e da vida de tantas pessoas que são massacradas e mortas por este mundinho babaca.

Saturday, June 22, 2013

O Gigante era Fantoche

Quinta-feira, 20 de junho de 2013. Saí dos meus compromissos direto para o centro do Rio, onde encontraria meus companheiros esquerdistas para mais um protesto contra a corrupção e a favor da reforma política. Meu ônibus passa pela av. Rio Branco e, na rua antes da Presidente Vargas, fez um desvio para evitar a multidão que já ocupava as ruas, antes mesmo das 17h. Desci e fui caminhando pela Rio Branco, em direção à rua do Ouvidor. E qual não foi a minha surpresa ao encontrar uma juventude de cara pintada, bandeiras do Brasil, vestidos de branco ou de verde e amarelo. Tive medo. Senti um impulso ultranacionalista que lembra as doutrinas fascistas. Ainda assim, segui o meu caminho. Passei por ambulantes que vendiam a máscara do V de Vingança por dez Reais para uma galera que nunca havia lido o quadrinho do Alan Moore (porque nenhum reacionário vestiria uma máscara que esconde uma propaganda anarquista) e por ambulantes que vendiam cerveja. Passei por pessoas bêbadas e senti um clima de micareta nacionalista sem nem ter avistado o trio-elétrico que gritava palavras de ordem.

Estava bastante assustada e decepcionada quando cheguei no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Lá, me alegrei ao encontrar as bandeiras vermelhas dos partidos esquerdistas que estavam sendo ameaçados pelos antipartidários nacionalistas pelo Facebook (os mesmos que são contra a anarquia e acham que os problemas devem ser resolvidos em eleições. Uma incoerência só e que, apenas parece fazer sentido para eles – que são a maioria); uma massa esquerdista e universitária e; as meninas da Casa da Mulher Trabalhadora (CAMTRA), que eu admiro e tento acompanhar tanto quanto possível desde um curso sobre educação e sexismo que eu participei entre 2011 e 2012.

Dentro do Instituto, encontrei minhas amigas. Depois de um tempo, saímos de lá, encontrando com a manifestação na Presidente Vargas, na altura da Uruguaiana. Procuramos por bandeiras vermelhas. Não as encontramos.

Decidimos ultrapassar a manifestação e ir para o seu início onde os esquerdistas militantes de partido costumam ficar. No meio dela, passamos entre dois trios-elétricos: o primeiro parecia ser de sindicato; o segundo era maior e era claramente direitista – tocava o hino nacional, inflamando a paixão por uma nação; a união por uma causa única ACIMA DE QUALQUER PARTIDO E DE CLASSE SOCIAL. Bocas que gritavam por democracia assumindo o discurso de Mussolini; bocas de classe média que não percebem que para grande parte da população, é sim, por vinte centavos: uma população que sofre com os abusos policiais diariamente e que precisa conter gastos porque seus salários de autônomos e diaristas não acompanha o aumento do custo de vida. Era a classe média machista e homofóbica que se revelava e invadia as ruas para mandar Cabral, “Dudu” e Dilma tomarem no cu. A classe média preconceituosa que levantava cartazes dizendo que “presidente que só leu um livro não me representa”. A classe média apolítica que ainda acredita no processo democrático e na educação como meio de ascensão social. A classe média que não se sente diretamente explorada pelos donos do grande capital, mas, pelo governo – e, apenas, pelo governo – e que acredita ingenuamente que a culpa de todos os males do Brasil emana da estrela do PT. Eram eles quem vestiam camisas oficiais da seleção brasileira enquanto gritavam “não vai ter copa”. E, também, seriam eles que provariam, pela primeira vez, da arbitrariedade policial, saindo indignados com a violência que não chega aos pés daquela sofrida pelos moradores das favelas do Rio de Janeiro. É claro que a maioria saiu culpando os “vândalos” pela truculência policial.


Eu trabalho em uma escola na Nova Holanda, no Complexo da Maré. Lá, bala de borracha é tiro de fuzil; helicóptero não sobrevoa só para vigiar a população, mas dá tiro nos moradores que correm assustados para buscar os filhos mais cedo na escola. Para isto, a classe média fecha os olhos. É muito mais interessante ocupar as ruas e gritar palavras de ORDEM e PROGRESSO – econômico, por favor – do que rebelar-se contra as reais injustiças sociais existentes neste país discrepante.


Estávamos mais assustadas ainda. O trio do sindicato puxava um discurso inflamado contra o Marco Feliciano e a proposta para a “cura gay”, quando o outro trio, que estava em silêncio, puxou palavras de ordem para abafar as palavras esquerdistas – obtendo completo sucesso. Conseguimos ultrapassá-los, ainda ouvindo a classe média reacionária cantar a música da coca-cola para a copa do mundo (oi?).

Já estávamos nas proximidades da prefeitura quando encontramos um colega militante de partido de esquerda. Perguntamos pelas bandeiras vermelhas. A resposta foi a pior possível. Eles foram cercados e ameaçados pelos jovens apolíticos – para não dizer fascistas – que chegaram a agredir fisicamente os militantes que resistiam em abaixar suas bandeiras. A luta esquerdista fora roubada pelos reacionários. Quando chegamos na altura dos Correios, as bombas de GL já nos embaçavam um pouco a visão. Máscara com vinagre; garrafinha com água e bicarbonato de sódio nas mãos. A população corria apavorada enquanto o Choque avançava. Nos encostamos na grade dos Correios, para não sermos levadas pela multidão desesperada. O medo era sermos pisoteadas. Em algum momento, as bombas estavam mais e mais próximas de nós. Uma das meninas sugeriu que pegássemos uma rua lateral, mas, pelas grades dos Correios, já podia ver a polícia bombardeando, também, a rua paralela. Não era uma operação para dissipar manifestantes e impedi-los de chegar à Prefeitura. Era uma armadilha.

Não eram menos de um milhão de brasileiros na Presidente Vargas e o Batalhão de Choque achou que seria fácil e legítimo evacuar esta população amedrontada a base de bomba de GL, empurrando-a para a frente pela própria Presidente Vargas – não estou acusando apenas a polícia, que segue ordens do nosso querido governador Sérgio Cabral Filho (que, por acaso, representa o partido direitista PMDB, assim como o nosso amado Eduardo Paes – mas, disso, ninguém fala). Pessoas corriam, passavam mal, desmaiavam. Distribuímos a solução de vinagre em retalhos de pano para os que pareciam que estavam em pior condição. Oferecemos água com bicarbonato de sódio. Em certa altura, uma das meninas ligou o rádio para saber o que estava acontecendo. Soubemos dos quiosques do Terreirão do Samba incendiados e do carro do SBT que havia sido virado e também estava em chamas. Vimos pessoas quebrarem pontos de ônibus enquanto a classe média gritava “sem vandalismo” e outros comemoravam e aplaudiam. Vandalismo não é ser encurralada pela polícia, como marginal, em meio de uma manifestação constitucional e democrática? Vimos estudantes de medicina, de Universidade Públicas socorrendo pessoas que estavam feridas por balas de borracha ou estilhaços de bomba ou, ainda, os que haviam desmaiado com o efeito do gás. Caos. Um grupo gritava “fica”. Eu queria ficar, mas, sabia que a truculência policial se agravaria com a diluição da massa populacional nas ruas. Não haviam ônibus. A estação do metrô da Presidente Vargas estava fechada. Era como se tudo se unisse para dizer “ei, você podia ter ficado em casa. Já que veio, agora aguenta!”.

Passamos por uma plenária do MST próxima à estação de trem da Central. Observamos um pouco. Esta estação do metrô estava quase fechando. Em breve, a mais próxima aberta seria a da Glória – como me relatou uma amiga que teve que caminhar até lá para poder voltar pra casa. A estação de trem estava lotada. E, mais uma vez, haviam jogado bomba de GL dentro da estação. Vesti a máscara e olhei ao redor. Muitos sofriam com os efeitos do gás. Enfim, fui para casa.


Ouvi alguns relatos, como os das meninas da CAMTRA que ficaram presas no Centro do Rio, ouvindo bombas e mais bombas explodirem no lado de fora. Estavam todas abaladas. Uma amiga que foi parar na rua paralela à Presidente Vargas contou que viu até tiro de fuzil. Outra amiga ficou entre duas bombas de GL, no meio da multidão, sem ter para onde ir. A que teve que caminhar até a Glória, contou como foi difícil chegar até lá com a polícia perseguindo e atacando manifestantes sem nem saber se eles estavam envolvidos em qualquer ação que poderia ser considerada como criminosa.

A reflexão a ser feita é a seguinte: como conseguiram incendiar os quiosques do Terreirão do Samba se a Tropa de Choque da PM estava bem próxima? A população desarmada é mais perigosa que aqueles que ateiam fogo em algum lugar? A Globo filmou diversos atos de “vandalismo” que não foram reprimidos pela polícia, apesar de, quando eu estava indo embora, existirem CINCO helicópteros da polícia monitorando a área. Furtos, quebra-quebra e o Choque reprime apenas ALGUNS destes atos e destes manifestantes. Isto não parece engraçado? EXISTEM POLICIAIS VESTIDOS COMO CIVIS DENTRO DA MANIFESTAÇÃO FAZENDO ATOS PARA GERAR CAOS E PÂNICO NA POPULAÇÃO. NÃO SE ENGANE. SÃO ELES E, APENAS, ELES QUE CONSEGUEM DESTRUIR PATRIMÔNIO PÚBLICO E PRIVADO SEM SOFRER UM ARRANHÃO. Esta jogada política está sendo realizada para aumentar a indignação da direita contra os “vândalos” e esquerdistas mais radicais e para atestar uma incompetência do governo. O golpe de direita está arquitetado. Ao que parece, em caso de vacância no cargo de presidência da república, serão realizadas ELEIÇÕES INDIRETAS. Estão pressionando a Dilma de todos os lados, o que se reflete no discurso proferido ontem, que nega toda a história de militante de guerrilheira no período da ditadura militar. A presidenta está tentando acalmar os ânimos da direita, mas, não acredito que obterá sucesso.

Acordem, crianças de cara pintada e bandeira do Brasil: não estamos em um mundo de algodão-doce. O discurso da mídia se assemelha muito ao do pré-golpe de 1964: o “restaurar a democracia” nos custou 20 anos de ditadura e, agora, ainda estão articulando uma “marcha com deus pela família e contra o comunismo” sério isso?


A COISA VAI PIORAR.

Monday, June 17, 2013

Rachaduras na Muralha Ideológica

Pois bem, meu povo, hoje, mais uma vez, estive nas ruas. Fiquei feliz ao me encontrar rodeada de milhares de pessoas – é até difícil ter noção da proporção do ato porque não dava para saber onde ele começava e onde terminava.

A polícia, desta vez, sabendo que era impossível conter e dispersar a massa populacional por meio de bombas de efeito moral sem causar uma tragédia (a correria inevitavelmente causaria a morte de dezenas de pessoas pisoteadas pela multidão), estava contida. Ainda assim, depois da experiência de ontem (relatada aqui: http://colacoloridaetesourasemponta.blogspot.com.br/2013/06/gigante-pela-propria-natureza.html ) fui com máscara banhada em vinagre, garrafa com água e bicarbonato de sódio, casaco, luva, a coisa toda. É triste ter que se proteger de forma tão intensa para exercer a sua cidadania.

A passeata, em si, foi pacífica e sem maiores problemas – quando eu estava indo embora, alguns manifestantes se dirigiram para a frente da alerj. Eu não estava lá, não vi o que aconteceu, mas, ouvi o som das bombas e vi algumas dezenas de pessoas correndo na direção contrária – mas, gostaria de comentar certos fatores que me entristecem.

A nossa luta é de todos. Desde aqueles que se declaram apolíticos e vão de branco, pedindo paz, aos partidos políticos que apoiam a causa. Nosso movimento engloba pacifistas e outros que são comumente taxados de vândalos, quando, nem ao menos, percebemos que vandalismo de verdade é aquele que o governo nos promove. Não estou aqui para defender nem partidos nem pessoas que se manifestam de forma agressiva. Também não quero depreciar os apolíticos. Eu, particularmente, me considero politizada e acredito na resistência pacífica, mas, também não acho que não tomaria uma postura mais agressiva para defender os meus direitos e os meus ideais, mas, este não é o foco da coisa.

O foco é que, em uma passeata imensa – e que tem força por o ser assim – e plural, os manifestantes me pareceram muito pouco tolerantes com aqueles que não comungam exatamente das mesmas ideias que eles. Em certo momento, parte das pessoas gritavam “sem partido” ou “oportunista” para os grupos que carregavam bandeiras de partidos políticos que os representavam; na internet, vi posts de ódio àqueles taxados de vândalos, com pessoas alegando que este tipo de pessoa deveria ser pega pelos próprios manifestantes e entregue à polícia.

Estas disputas internas tiram o foco da luta e esvaziam o movimento; o moralismo que faz com que alguns achem sua forma de protesto mais legítima que aquelas que transgredem as leis é a base do argumento direitista para enfraquecer uma luta que está sendo tão bela.

Não se engane: a direita está querendo se apropriar do nosso movimento e neste processo, usa de padrões morais sedimentados em nossa sociedade para causar rachaduras em nossa muralha ideológica. Eles querem enfraquecer e esvaziar as nossas manifestações.
Companheiros, lembrem-se que, quando estamos nas ruas, estamos unidos em um mesmo propósito: se você não gosta de depredação de patrimônio, vá embora mais cedo, não há mal nenhum nisso – eu mesma o fiz, sabendo que as pessoas mais extremadas ficam até mais tarde e que é normalmente aí que ocorre a confusão com a polícia. Se você acha que os partidos estão se aproveitando das manifestações, não vote neles, simples assim. E se você não quer ser confundido com alguma pessoa que transgrede as leis, use uma camisa escrito “sem violência”. O que nós não podemos é estarmos juntos apontando para os outros e dizendo que e eles estão errados e que não te representam. Todos somos necessários para engrossar as fileiras de nossas manifestações. Estamos crescendo, estamos nos fortalecendo. Não deixe que diferenças na forma de agir nos desarticule.


A direita se mantém unida para oprimir as minorias e isto só funciona porque as próprias minorias se veem heterogêneas demais para se apoiarem. Estou com todos vocês. E espero que a necessidade de nossa união para mudar o país supere estas diferenças. Juntos, podemos mudar o Brasil! Vem pra luta!

Sunday, June 16, 2013

Gigante pela própria natureza

Hoje a tarde, participei da manifestação em São Cristóvão, contra o aumento do custo de vida. E as coisas que presenciei foram as mais absurdas possíveis, por isto, não poderia deixar de escrever este texto. Sei que muita coisa pode parecer surreal, mas, como dizia o clichê do velho Timbira que contava aos mais novos sobre Juca Pirama: “meninos, eu vi!”.

Chegamos atrasadas para o ato, com um cartaz dentro da mochila. Assim que saímos da estação de trem, percebemos que a polícia estava fechando a estação. Descemos até onde os outros manifestantes estavam concentrados e, assim que pusemos os pés lá, explodiram as primeiras bombas de efeito moral. Não, não havia baderna, apenas um aglomerado de pessoas – com faixas e cartazes – paradas na rua (que havia sido fechada pela própria polícia). Na mesma hora, começou a correria. Pessoas caíram no chão, com sério risco de serem atropeladas pela multidão, que corria assustada, enquanto o batalhão de choque avançava em nossa direção. Meus olhos queimavam e era impossível de respirar. Paramos na rampa de acesso ao trem, enquanto eu esperava que o desmaio viesse – me agarrei na grade para não cair no chão. Uma menina, que fazia parte do protesto chegou até mim, colocou um pano no meu rosto e mandou que eu respirasse, dizendo que era vinagre. Melhorei quase que imediatamente.

Descemos para o outro lado da linha do trem, em frente à Quinta da Boavista. Lá, encontramos uma outra menina, que molhou o meu casaco com  uma solução que era 50% água, 50% vinagre. Era claro que as pessoas estavam com medo e que o medo aumentaria quando o batalhão de choque nos encurralasse, cercando os manifestantes nas quatro posições possíveis. Sabíamos que outro ataque viria e que a única possibilidade de fuga seria pela Quinta da Boavista.

Cantamos palavras de ordem, como a principal, que era “sem violência”, estendendo cartazes das mais diferentes naturezas. Alguns, convocavam os policiais para que aderissem a causa, outros criticavam o aumento dos preços, a mídia e a copa. O meu carregava uma palavra de estímulo para aqueles que encaravam o medo para exercer sua cidadania de forma plena e democrática.

Mas a democracia parava em nós. Sentados no chão, levantávamos as mãos para o alto e cantávamos o Hino Nacional Brasileiro. Eu nunca havia cantado o hino com verdadeiro orgulho de me saber brasileira e acredito que muitos outros também não. Sentia o rosto molhado de lágrimas, quando, ao fim do hino, o povo se levantou lentamente e a polícia voltou a nos bombardear, encurralando o grupo dentro da Quinta. Então, achamos que pararia por aí. Nunca pensaríamos que a polícia fosse capaz de jogar bombas de efeito moral em um lugar cheio de crianças pequenas, mas, ela assim o fez. E fechou todos os acessos ao parque.
Vinagre no rosto, caminhando pela área, informando às pessoas que havia acontecido e recomendando que idosos e crianças se retirassem de lá. Aos poucos, foram reabrindo as saídas, então, fomos embora, mesmo com outros manifestantes se reunindo no museu da Quinta. No caminho para a estação de trem, mais bomba de efeito moral, mas, em um lugar em que não havia mais manifestantes. Pessoas passavam tossindo e com os olhos lacrimejando e eu dava o meu casaco embebido de vinagre para elas cheirarem, aliviando o efeito. Na passarela onde fica a entrada do trem, estavam proibindo que pessoas ficassem paradas. Lá também havia restos de bomba de efeito moral. Dentro da estação, crianças chorando assustadas ou com os olhos marejados pelo gás que a polícia soltou em pessoas que não faziam nada a não ser contestar a legitimidade da democracia brasileira, demonstrando a sua insatisfação.

Na estação de trem, uma menina veio falar conosco. Ela tinha se perdido do namorado durante a confusão policial. Ela nos contou que estaca ao telefone com ele quando a polícia começou a atirar balas de borracha na direção dele e de poucos outros manifestantes que estavam com ele. Ela estava preocupada. Pouco depois, seu namorado chegou, mostrando vídeos que fizera mostrando a manifestação pacífica de insatisfação com o governo e a covardia policial.


Aos políticos, recomendo que assumam a ditadura que disfarçam por meio de um processo “democrático” que elege representantes que servem como marionetes nas mãos dos donos do grande capital. Ou, então, que se rendam ao poder do povo e aceitem que a única escolha viável é respeitar os direitos dos cidadãos.

Nós vamos continuar lutando.

Meninos, eu estava lá: eu vi. E o que vi foi uma juventude que me orgulha. Vi entre três e quatro mil pessoas não se deixando intimidar pelo abuso policial. Uma juventude politizada e  gigante pela própria natureza.


Thursday, June 6, 2013

Estatuto do Nascituro e a Maria Estupro


A aprovação do Estatuto do Nascituro legitimará e institucionalizará a cultura de estupro em nossa sociedade. A mulher, agredida e violada, que já era culpabilizada pela perversão do outro, receberá, agora, mais um argumento para que lhe atribuam a motivação pelo crime que sofre e a punição de, não só ser obrigada a carregar por nove meses o filho que é fruto de um pesadelo, mas, também a deixar que a criança carregue o nome de seu algoz.

O que é estupro? Estupro, para a vítima, é sentir que não se possui nada: nem corpo, nem palavra, nem vontade. É sentir um intruso lhe arrombar a casa e lambuzar-se em libido enquanto esfola e macula aquilo que a ensinam, desde cedo, ser o que de mais valioso se possui. É ter nojo de olhar no espelho e sentir o vômito forçando a garganta a cada lembrança. É deixar de acreditar no amor e nas pessoas. É sentir-se Cristo, nas mãos de deus, pagando pelos pecados daquele que a viola.

Ainda assim, para os nossos governantes, isto não parece importante. Do quê importa a mulher e seus desejos; suas vontades? Do quê importa uma inocência destruída? E, quem se importa em prender criminosos como estes?

O que importa parece ser exatamente o menos importante: o fim do crime; a segurança das mulheres. No Brasil, parece que a ameaça constante da violência sexual funciona exatamente como forma de normatizar o comportamento feminino, engaiolando-as para a sua própria segurança.

_ Mulher direita não bebe; não fuma; não usa roupas curtas; não sai sozinha à noite. Quer sua integridade física? Não saia de casa. E, se seu marido usar a força para te ter sexualmente, ele está em seu direito.

Estupro não parece ser estupro a menos que a vítima esteja de burca, ao meio dia, e tenha agressões corporais que a desfigure. Mas, eu não preciso dizer isto. Todos sabemos as formas em que se expressam os discursos conservadores.

_ Ela estava gostando. Estava pedindo por isto!

O que muda com o Estatuto do Nascituro é exatamente o fato de que, por prever a “bolsa estupro” – pensão que o Estado pagará no lugar do violador –, a vítima, além de ter vontade e moralidade questionadas, passa a ser vista como “Maria Estupro”, que sai pelas madrugadas esperando um abuso sexual em seu período fértil para receber uma miséria do governo. Ou, ainda, o estuprador pode sentir-se benfeitor, espalhando filhos e distribuindo as moedas do Estado.

Nenhuma mulher merece ou deseja ser estuprada.

As deformidades sexuais veiculadas em larga escala pela internet – pornografia que engloba sexo consensual como simulacro de estupro; que apresenta o estupro propriamente dito como fetiche sexual; que apresenta sexo grupal em que cinco ou mais homens possuem apenas uma mulher, que berra, não se sabe se por dor ou prazer, até chegado o momento do êxtase (sempre masculino) em que, numa roda ou em fila indiana, disputam partes do corpo feminino para derramar a própria porra; pornografia em que o ator abusa sexualmente de uma mulher durante o sono; sites em que homens publicam fotos e vídeos deles mesmos se masturbando em mulheres que estão em transportes públicos (em plena luz do dia, provavelmente em seu caminho para o trabalho) – não são censuradas (e, quando são, isto só ocorre porque o fato alcançou proporções gigantescas e os apelos e denúncias constantes impossibilitam que o caso seja ignorado) e servem para reafirmar e naturalizar violências como formas válidas de exercício da sexualidade.

Mas, o crime é abortar o fruto de uma violência.

E, mais, não é crime ter um filho que não a inspira amor, mas asco, ao ver o rosto daquele que a fez passar por horrores indescritíveis em sua criança indesejada. Um filho que o Estado finge desejar, mas que desampara como todos os filhos da “pátria que os pariu”: os excluídos, marginalizados, moradores de rua, viciados, traficantes. O Estado proíbe o aborto para assassiná-los quando não se enquadram nos modelos sociais desejados, mas, aí, também já não há crime algum.

O Estatuto do Nascituro só leva em consideração a hipocrisia religiosa e reafirma a única função social que legitima a existência feminina em sociedades patriarcais: a maternidade. Mas, a maternidade obrigatória desloca o amor pelos filhos e o transforma em indiferença. E é sobre esta névoa que cada um dos nascituros sobreviverá. Sem escolha, a mulher se verá aprisionada para sempre às lágrimas e dores da violência. Mas, elas devem se alegrar: em troca deste sofrimento, receberão estigma social e uma esmola do Estado.

Tuesday, May 28, 2013

Púrpura e rosada



Sinto a dor afundar meus olhos
E estou ébria apenas para mantê-los abertos
Foi a dor que afogou meus olhos na escuridão da memória?
Ou combustível queimara razão para deixa-los turvos?

Tudo é negro, apenas a dor ecoa púrpura
E rosada
E é tão imensa que colore os cegos
E incha e lateja
Que graciosamente acorda o mundo.

Sofrimento mudo grita em meus pulmões
Sem deixar nota de coração partido fugir à boca.
Dor que dói por não saber origem
Dos punhos cerrados que valsaram em pele e ossos.

Púrpura e rosada.
Colorindo olhos de arco-íris
E a íris, cansada, já não luta por suas cores de origem.
Cores tão lindas que se tornam tristes
Iluminando o preto e branco desfigurado
E, por descaso
Não sei quem fui
Ou
Como foi.

Saturday, March 30, 2013

Sem Título

http://www.youtube.com/watch?v=fxjtvkjRzUY&feature=youtu.be

Sem Título

O meu medo era o girassol
Apaixonar-se pela lua
E se fechar pro seu amor

Lembro das nuvens do seu céu sem cor
Da tristeza a sorrir

Chorando e o meu coração na ponta dos pés
Você dança tão lindo

E eu nem sei o que pensar
Não sei o que pensar
E eu nem sei o que pensar

Você rebola devagar
Parece santa me olhando deste altar
Enquanto você pisa em mim

Lembro das horas em que nada era dor
Brincar de ser feliz

Chorando e o meu coração está sob os seus pés
Você dança tão lindo

E eu só penso em te olhar
Só penso em te olhar
E eu só penso em te olhar

(Letra composta em 2006. Vídeo gravado na tarde de hoje).

Monday, January 21, 2013

Coisas que você deveria saber



_Você é, atualmente, uma das pessoas mais importantes da minha vida. E isso é horrível, porque você não me conhece, nem um pouco.

_Acho que não é bem assim.

_Então, me diga: quem você pensa que eu sou?

_Você é uma pessoa forte, que já passou por muita coisa. Você é amiga e companheira. É aquela que tenta proteger os outros do mundo que sabe cruel.

_Não. Eu sou um compêndio de mentiras bonitas. Eu gostaria de ser o que você pensa de mim, mas, não sou. Sou aproveitadora. Me aproveito do carinho que você tem por mim para destruir não só aquilo que acredito, mas a essência mais pura e inocente de ser você. Espero te ver ir embora para pensar em tudo o que não posso fazer com a sua amizade. Eu tenho o impulso suicida de destruir coisas bonitas. Eu só penso em destruir tudo. O teu corpo, a tua mente e te fazer tão vil e imunda quanto eu me tornei. E é este o inferno que eu vivo. Eu te amo tanto quanto te odeio e eu tento regular o ódio que me faz querer te transformar em minha igual. É imundo ser quem eu sou e é por isso que eu te empurro para longe de mim, a cada vez que a nossa conexão acaba se tornando forte demais.

_...

_Mas, eu me viciei. Me viciei em você e é cada vez mais difícil te empurrar pra longe. Você pulsa em minha mente, coração e no pecado escondido entre as minhas coxas. Tento afastar desejo e amor e te fazer partir, mas, não consigo. Dependência física e psicológica. Tento me equilibrar na corda bamba da minha sanidade, mas é difícil demais. Então, sonho com os teus olhos e acordo afogada em luxúria. Me embriago em pornografia. E choro sem lágrimas, porque já é tarde. E, eu sei que já é tarde demais para não te magoar.

_Eu te amo. Não vou embora, só porque você acha que é o melhor para mim.

_É o que eu disse: já é tarde demais.

Demônios de Silêncios



Sonhei. E o meu sonho reviveu demônios que eu gostaria de ter esquecido ou superado. Por mais que a minha ideologia diga que não, eu ainda me sinto responsável pelo que aconteceu. Culpada por não ter percebido as nuances de uma personalidade deturpada e ter me entregue a ela. Não. Esta não é uma história de amor.

Eu andava atordoada, pelas ruas. Deveria ter os mesmos vinte e cinco anos que carrego nos ombros. Vinte e cinco anos bem mais pesados que a maioria das mulheres de minha condição social. Sentia borboletas no estômago. Uma vontade louca de esvaziar as entranhas em vômito. Não havia nada. Eu estava vazia.

Andava de mãos dadas com o desespero, sabendo que eu havia de fazer alguma coisa. Aquilo que, há meia década, eu havia preterido. Tinha medo. Medo das escolhas que fiz. Medo da minha covardia. Tinha a noção de que, agora, eu era outra: mais forte; mais dura. Mais amarga.

Entrei em uma casa e perguntei o que deveria fazer para denunciar um homem que tentara estuprar uma menor de idade. Mandaram que eu me sentasse.

Apareceu uma mulher baixa, de formas redondas e cabelos loiros. Parecia rocha. Como eu, ela havia endurecido, talvez, também tivesse desistido dos seres humanos, depois de ouvir repetidamente denuncias de demônios na forma humana. Ela se sentou atrás de um computador e perguntou o que eu gostaria de denunciar. Suspirei.

Era complicado. Era o mesmo homem que havia me violentado, há quase seis anos. Ele, que me dizia palavras doces e tocava canções de amor. Ele me levava aos bares e lanchonetes e me tratava com afeto. Um afeto alheio ao mundo que eu conhecia. Não demorei a me ver apaixonada. Não demorei a escolhê-lo como centro do meu universo. Mas, o que era pérolas, também era dor. A dor surda e aguda de quem sabe amar mais do que é amada. Ele me feriu vez após vez, antes que eu percebesse que não era o príncipe, mas o dragão, quem eu levava à minha cama.

Machismo, hipocrisia, duplo padrão. Tudo escondido pela névoa do coração que acelera em sua presença. Eu tentava ser melhor por ele. Parei de fumar, de beber muito, de ver meus amigos. Era ele e só ele quem regia o meu mundo.

Mas a dor sobrepôs-se ao afeto. Negligenciada, perdida, sozinha. Procurando dores que fossem mais intensas que a do meu coração partido. Foi quando o deixei partir. E, ele, como quem não aceita a rejeição, pôs-se a esfolar meu corpo, a fazer brotar sangue dos meus orifícios e lágrimas dos meus olhos. Ele havia me submetido durante o sono. E seu fantasma sempre voltava da mesma forma. Eu estava de bruços. Gritava, chorava, me debatia. Não havia quem ouvisse meu desespero. Ele tocou o meu rosto com os dedos que dedilharam aquelas lindas canções de amor. Ele sentiu o rosto alagado de lágrimas. Ele ouvia o meu desespero. Ainda assim, apontou a carne dura e pulsante para o meu corpo e me sodomizou, enquanto eu enterrava sentimentos e ingenuidade.

Quando ele se foi, eu era um saco em forma humana. Jogada, preterida, sem valor. Sem alma. Demorei a conseguir ficar sobre as próprias pernas. E, não haviam feridas externas. Ele atacara apenas os meus buracos e cavara outros, em alma e coração. Olhei meu rosto no espelho e tive nojo. Vomitei ao ver que eu existia. E quis morrer.

Me afoguei em álcool e cigarros. Por dias, meses, anos. Eu era o ébrio. Eu era qualquer merda que me impedisse de sentir. Eu era o espectro da dor.

Meus amigos não acreditaram em mim. Ninguém acreditaria. Pensava em denunciá-lo, mas, falar sobre aquilo me fazia engolir vômito a seco.

Passei a morrer no silêncio que mantive. E morria mais a cada vez que o via de mãos dadas com outra menina. Eu era responsável por cada vítima que ele fizesse. Eu poderia tê-lo feito parar, mas não o fiz.

No sonho, contava a história com os olhos secos e atordoados. Ele rodeava a minha família. Minha prima. Tocava as mesmas músicas, sorria com a mesma calma. E me olhava os olhos, como se nada tivesse acontecido. Ninguém acreditara em mim. Nem minha família, nem a mulher loira. Agora, já não havia a prova de sangue vertido pelas suas células.

Voltava sabendo que também era vilã pelo egoísmo de não querer reviver sofrimento, permitindo que tantas outras passassem pelo mesmo. O telefone tocara. Ao fundo, uma voz trêmula, de menina, dizia “Você estava certa”.

Acordei com a mesma certeza de sempre: sou culpada do meu medo. E, a vontade de esquecer é o que mantém tudo tão vivo e pulsante em minha mente.



Por mais que eu prefira dizer que não, esta é uma história real. Uma história de culpa. Mas, não, nunca me diga que é uma história de amor.